sábado, 7 de novembro de 2009

Anselmo

Acabo de ler a respeito da morte de Anselmo Duarte.
Não precisa ser profundo conhecedor da obra e vida dele para ficar triste pelo seu falecimento.
Basta saber, para ficarmos em um exemplo, que como diretor, seu filme "O Pagador de Promessas" levou a Palma de Ouro em Cannes em 1962, desbancando Luiz Buñuel e Michelangelo Antonioni. Um feito e tanto!
É o que basta para que se fique triste pela sua morte.

Acabou mas continua

"O Inferno de Clouzot" (França), de Serge Bromberg e Ruxandra Medrea. Muito bom documentário sobre o filme inacabado de Henti-Georges Clouzot, "L'Enfer", superpordução para a época, com orçamento ilimitado liberado pelos produtores americanos. O documentário mostra todas as inovações tecnológicas buscadas, os ensaios técnicos com os atores, os primeiros meses de filmagens. Um documentário, a exemplo de "Belair", sobre o "fazer cinema". Aqui o enfoque é outro, até mesmo porque outras eram as condições de Clouzot, mais favoráveis em relação aos diretores brasileiros em plena ditadura. Mas guardadas as devidas proporções entre os documentários, lembra bem um ao outro. Muitas cenas do filme inacabado, cujo som fora perdido. Para solucionar a questão, e nos mostrar o enredo macabro do marido que enlouquece de ciúmes pela esposa jovem, o documentário insere diálogos em estúdio entre um casal de atores que lê o texto de Clouzot. Muito interessante!
"Voluntária Sexual" (Coreia do Sul), de Kyong-Duk Cho. Bem fraquinho. Mas serve para pensar os critérios da premiação da Mostra. Eu particularmente sou contra essa história de o público selecionar os finalistas. Dá nisso: filme sentimentaloide, meio esquizofrênico na montagem (há quem dirá que é inovador), péssimos atores (ou seria a direção de atores?). O argumento é muito bom: sobre os "voluntários sexuais", que têm como meta dar prazer sexual a deficientes. Mas só pela história um filme merece ganhar o prêmio? E se essa história for mal conduzida, como nesse roteiro coreano? Dentre os finalistas, eu havia visto somente o "Mau dia para pescar". Dentre os dois, o "Mau dia..." tem historia mais batida, é convencional, etc e tal. Talvez seja esse um dos motivos para o "Voluntária..." ter levado o prêmio máximo do festival. Desenvolverei mais sobre o longa coreano em breve.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O guardador de rebanhos

Apenas um "brinde" aos que deleitaram-se, como eu, com "Singularidades de Uma Rapariga Loura", de Manoel de Oliveira.
Trecho de "O Guardador de Rebanhos", de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), lido no filme por Luis Miguel Cintra.
Canto XXXII - Ontem à Tarde

Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.

(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)

Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.

(Louvado seja Deus que não sou bom,
E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com florir e ir correndo.
É essa a única missão no Mundo,
Essa — existir claramente,
E saber faze-lo sem pensar nisso.
Canto XXXIII - Pobres das Flores

Pobres das flores dos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para ver se elas falavam...
E o homem calara-se, olhando o poente.
Mas que tem com o poente quem odeia e ama?

O Amor e o Horror

"Todos os Outros" (Alemanha), de Maren Ade. Belíssimo filme. Filme que conquista pelos detalhes. Personagens com uma profundidade riquíssima, interpretados com força pelo casal de atores. O conflito de personalidades entre eles, muito diferentes entre si mas ainda assim apaixonados um pelo outro, as inúmeras tentativas de se acertarem e as concessões mútuas, a adaptação ao outro, o se comunicar apenas com olhares e as sucessivas tensões no relacionamento. Cinema de atores com forte uso do gestual.
"A Ressurreição de Adam" (EUA, Alemanha, Israel), de Paul Schrader. O circo, o mágico, o palhaço, tudo em um só personagem, Adam Stein, mas que perde espaço para o terror. O horror da guerra, do antisemitismo, que aos poucos toma de assalto a vida dos judeus alemães. Horror que deixa suas marcas para além do fim da guerra, marcas muito mais profundas que os números tatuados nos braços. Filme pesadíssimo, sombrio, ambientado em um manicômio para judeus sobreviventes do holocausto. Some a isso os flasbacks do terror vivido pelo protagonista, que além de ter sido obrigado a tocar violino enquanto acompanhava sua família conduzida aos fornos do campo de concentração, ainda era obrigado, para sobreviver, viver como se um cachorro fosse (literalmente). Tudo isso contado de forma muito inteligente, fugindo do melodrama tradicional em filmes que retratam o holocausto. Filme sombrio sim, mas de uma força ímpar. Excelente roteiro e direção, além de interpretações impecáveis. É preparar a alma e encarar.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Discussão cinéfila: Xuxa vs. Mara Maravilha

Foi-se o tempo em que os monitores que trabalham na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo eram escolhidos entre interessados por Cinema (com maiúscula mesmo, como arte que é). Ou o que caiu por terra foi minha ilusão de que assim se dava.
Ontem, 18h45. Enquanto aguardo a liberação da sala em que foi exibido o documentário "Belair", ouço, incrédulo, o seguinte diálogo entre dois monitores:
" - Eu amo a Xuxa, mas o programa da Mara era melhor!"
Depois que Meneghel foi homenageada em Gramado, como "Rainha do Cinema" (ainda custo a acreditar nisso), é bem provável que Mara ressurja e, vixemaria!, faça cinema. Os marqueteiros (e o monitor em questão) se encarregariam, cada qual com sua "função" na "cadeia comercial", de fazer bilheteria. Aí não faltará mais muita coisa para que o mundo acabe.

Belair, Eça por Manoel e Cinema Marginal.

"Belair" (Brasil), de Noa Bressane e Bruno Safadi. Documentário sobre a produtora Belair, de Rogério Sganzerla e Júlio Bressane, de existência reduzida a poucos meses de 1970. Na verdade é um documentário sobre a paixão de fazer cinema, sobre a preocupação de pensar cinema como arte e filosofia, em uma época em que pensar demais era sinônimo de ser subversivo. Bom trabalho com imagens de arquivo, montagem adequada e fotografia das filmagens contemporâneas de beleza ímpar. Destaque para o plano sequência de "Sem Essa Aranha", participação especialíssima de Luiz Gonzaga e protagonizado por Zé Bonitinho e Helena Ignez. Imperdível!
"Singularidades de Uma Rapariga Loura" (Portugal, França, Espanha), de Manoel de Oliveira. União de mestres. Conto de Eça de Queiroz filmado por Manoes de Oliveira. O resultado não poderia ser outro. Filme deliciosíssimo de ser visto. Outro imperdível!!!!
"Caveira My Friend" (Brasil), de Álvaro Guimarães. É "ferro na boneca" porque "o mundo é mágico, bixo"! Cinema marginal brasileiro dos anos 70. Extremamente experimental, portanto. Para estudiosos e/ou curiosos sobre a história do cinema brasileiro, não pode deixar de ser visto. Destaque para a participaçao de Baby do Brasil (então Consuelo), além da trilha by Novos Baianos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Musas do Balaio # 4

CATARINA WALLENSTEIN em "Singularidades de Uma Rapariga Loura", de Manoel de Oliveira

Musas do Balaio # 3

RUN SRINIKORNCHOT, de "Corações em Conflito"

Reta final

Se ajudar na escolha do que ver nesta última semana de Mostra, aí vão algumas impressões:

"Os Famosos e os Duendes da Morte" (Brasil/França), de Esmir Filho: me irritou um pouco por ser excessivamente pretensioso. Muita "xaropada" travestida de inovação, dá um ar de videoinstalaçao (das fracas) ao filme, além de ser um filme barulhento. Alguns clipes horrendos que agradarão apenas àqueles que acham "Teatro Mágico" o máximo. Se fosse mais simples e menos pretensioso chegaria a melhor termo, já que possui algumas sequencias muito bacanas, além de ser bem filmado - a produção é impecável.
"Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo" (Brasil), de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz. Lindo, lindo, lindo!!!!! Texto preciosíssimo! Mais um filme que explora uma certa documentação em meio à parte ficcional, mas aqui feita com maestria. Lembra Jia Zhang-Ke sem que pareça cópia barata. Imperdível, para ser visto mais de uma vez!
"London River" (Reino Unido, França, Argélia), de Rachid Bouchareb. Filme bem bacana. Exemplo de simplicidade com bons resultadas. Apesar de meio quadradão no formato, um tanto sessão "Supercine", o tema e os bons atores mantêm o interesse na história, que passa rápido apesar de eventual sono que pode já começar a dominar o cinéfilo a esta altura da maratona da Mostra.
"Samson e Delilah" (Austrália), de Warwick Thornton. Apesar de altos e baixos, e de algumas opções um tanto apelativas no pior estilo "Quero ser um Milionário", o candidato da Austrália a uma indicação ao Oscar 2010 é um filme interessante, principalmente pelo foco na aridez e a sujeira a que estão condenados os marginalizados descendentes aborígenes na Austrália moderna. Destaque para direção de atores, que soube extrair delicadeza da dupla de protagonistas, que falam muito sem nada dizer. Para os brasileiros fica ainda a curiosidade em se ouvir a versão em espanhol de "Talismã", de Sullivan e Massadas - sucesso de Leandro e Leonardo -, como um dos temas principais do longa.
"Eles Não Usam Black-Tie" (Brasil), de Leon Hirszman. Uma pena que esse lindíssimo filme não seja prestigiado. Em sessão única na sala 2 do Unibanco Arteplex, menos de 30 pessoas presentes. O ganhador do Festival de Veneza em 1981 foi restaurado pela Cinemateca, ganhou surpreendente brilho novo (parece ter sido feito ontem) e traz um elenco impecável - entre outros os saudosos Francisco Milani e Gianfrancesco Guarnieri. Filme lindíssimo, tem ainda como diretor musical Radamés Gnatalli e música tema composta por Adoniran Barbosa. Filmaço pra terminar bem a maratona do dia!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Do Azerbaijão ao Brasil, passando por Irã e Rússia

"A 40ª Porta" (Azerbaijão), de Elchin Musaoglu. Curioso. E apenas isso. A curiosidade vem de se ver algo de um país sem tradição alguma no cinema. Começa ruim, melhora, piora, e quando dá a impressão que vai melhorar de vez (com a história do menino que gostaria de mudar de vida tocando um instrumento de percussão), o filme acaba.
"Ninguém Sabe dos Gatos Persas" (Irã), de Bahman Ghobadi. Excelente. Em um país fundamentalista onde álcool e rock são crimes gravíssimos, o diretor vai atrás da cena musical underground em Teerã. Bandas que precisam se esconder para ensaiar. País onde ser músico é ser subversivo. Bastante documental e com forte influência pop - que se evidencia nos momentos de vídeoclipes durante os ensaios das bandas visitadas -é uma das preciosidades que não podem deixar de serem vistas nesta edição da Mostra.
"Enfermaria Número 6" (Rússia), de Karen Chakhnazarov. Indicado ao Oscar pela Rússia. Baseado em conto de Tchecov. O conto deve ser bom, já que a história é muito boa! O filme não é. Meus primeiros cochilos desta Mostra. Fuja!
"Os Inquilinos" (Brasil), de Sérgio Bianchi. O filme atinge o que pretende e é muito bem conduzido. Mas só vale pelos aspectos técnicos, o que, convenhamos, não pode ser a única coisa a ser buscada no cinema. Mais do mesmo - outro "filme de miséria", mas sem a genialidade de um "Linha de Passe" -, com atores medianos. Não gostei.

domingo, 1 de novembro de 2009

E mais estes...

"O Que Resta do Tempo" (França, Palestina), de Elia Suleiman. Filme autobiográfico sobre a difícil convivência entre israelenses e palestinos. Muitíssimo bem filmado: cores, enquadramentos! Muito bom!
"Insolação" (Brasil), de Felipe Hirsch e Daniela Thomas. Excelente! E deve agradar mais a quem é fã da Sutil Cia. de Teatro. A linguagem teatral é evidente no primeiro longa de Hirsch. Elenco monstruosamente ótimo, filme com poesia do começo ao fim. Da aridez dos temas dos contos russos que lhe serviram de inspiração, extrai-se a delicadeza dos sentimentos: tristeza, amor.
"A Town Called Panic" (Bélgica, França, Luxemburgo), de Stéphane Aubier e Vincent Patar. Os brinquedos têm vida! Divertidíssimo!!! Colorido e história psicodélicos e surreais!
"O Fantástico Sr. Raposo" (EUA), de Wes Anderson. Do mesmo diretor de "A Vida Marinha de Stevie Zissou" e "Viagem à Darjeeling", não poderia ser diferente: outro filme divertidíssimo. Ou melhor: animação divertidíssima! Os bichos são protagonistas, falam e tudo mais? OK, mas mantêm seus instintos selvagens! Grandes sacadas, desenho pra gente grande!
"Rock Brasileiro - História em Imagens" (Brasil), de Bernardo Palmeiro. Feito como projeto para distribuição em escolas, é bastante didático. Documentário correto, com a profundidade possível para uma história de 50 anos de rock nacional contada em 67 minutos.
"O Dia da Transa" (EUA), de Lynn Shelton. Pretende ser comédia mas se leva a sério demais. Inverossímel em muitos pontos, a história caberia melhor em uma comédia menos "cabeça", menos "independente". Não gostei.
"Tom Zé Astronauta Libertado" (Espanha), de Ígor Iglesias Gonzales. Muito bom! Um bom recorte da genialidade do performático compositor precursor do sampler. Filme delicioso de ser visto.
"Dente Canino" (Grécia), de Yorgos Lanthimos. S E N S A C I O N A L !!! Inventivo ao extremo. Assustador se dar conta de que a história da família isolada do mundo, cujas crianças são educadas (educadas?!?!) de modo a desconhecerem totalmente o que há depois do muro da casa onde vivem, é verossímil.
"Perseguição" (França), de Patrice Chéreau. Chatíssimo!!!! Blablablá a serviço de absolutamente nada!
"O Pequeno Burguês - Filosofia de Vida" (Brasil), de Edu Mansur e Marco Mazzola. Documentário sobre Martinho da Vila. Documentário "raso". Uma grande figura em um "Especial" para TV.
"Mau Dia Para Pescar" (Uruguai, Espanha), de Alvaro Brechner. Muito Bom!!! Direção de arte impecável, produção luxuosa, história muito bem contada!