terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ALGUNS BRASILEIROS

Alguns comentários sobre filmes nacionais (ou em co-produção) atualmente em cartaz.

"QUARTA B", de Marcelo Galvão


Grande decepção para mim. Meu primeiro contato com o filme deu-se ano passado, na Mostra de Cinema de São Paulo. Na verdade, naquela ocasião eu assisti ao documentário "Lado B - Como Fazer um Longa sem Grana no Brasil", também de Marcelo Galvão. O diretor (muito esperto, devo reconhecer), aproveitou enquanto realizava a duras penas seu primeiro longa e já preparou seu segundo, um documentário sobre o primeiro!!
Gostei muito do documentário. Com grandes sacadas, e muito humor, conta-se todas as histórias e dificuldades da realização de "Quarta B". Fiquei muito curioso para ver o filme, que ganhou em 2005 o prêmio do júri popular na Mostra de São Paulo. Apenas uma coisa me incomodou no documentário: Marcelo Galvão não sabe receber críticas. Antes, não as entende. Se é elogio, ótimo. Se não, você é quem não sabe de nada!
Digo isso porque em determinada cena do documentário Marcelo procura no Google algum comentário sobre seu longa. Chega a uma crítica da revista Contracampo e simplesmente a ridiculariza (literalmente). Valendo lembrar o quanto a Contracampo é conceituada e séria. E digo mais: vendo o longa e relendo a tal crítica, só concordo com ela!
E o longa? Bem, uma decepção, como eu já disse. Antes, a sinopse: um tijolo de maconha é encontrado em uma sala de aula da quarta série do primário e uma reunião com os pais é convocada para tratar do assunto. Ao fim, para "se aproximar" do problema, todos fumam um baseado.
Com muitos altos e baixos (mais baixos, e não me refiro ao orçamento, pois já vi excelentes filmes rodados com parcos recursos), no geral o filme é muitíssimo inferior ao documentário.
Já começa muito mal, forçando absurdamente a "tinta" nos estereótipos. Finge ficar em cima do muro para tratar dos preconceitos da classe média sobre um tema polêmico, mas acaba sendo mais preconceituoso ainda, principalmente na textura que dá a alguns personagens. Como bem dito na Contracampo, Marcelo parece não se enxergar na própria lente. Fora uma ou outra cena com roteiro bem construído, e que ganha uma certa força por conta da excelência da maioria dos atores, o filme é uma negação. Um ponto bom: as cenas finais, em que supostos pais daqueles pais da reunião fazem declarações sobre seus filhos. Alguns diálogos bem interessantes. Mas novamente muita coisa ruim. Ressucita até a "pantera" de Maria Alice Vergueiro para tentar ganhar uma força que naturalmente não tem.
Vi recentemente uma reportagem sobre o novo filme de Marcelo, "A Rinha". Parece que nesse também ele comete o mesmo erro. Para tratar da exploração da violência levada a efeito por ricaços, que mantêm em uma piscina vazia um ringue de vale-tudo (literalmente), e para denunciar a existência de rinhas clandestinhas, Marcelo filma (adivinhe o quê?) brigas de verdade, convocando lutadores para degladiarem dentro de sua piscina. Pelas cenas que vi, bem pobre o roteiro, aliás.

"ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA", de Fernando Meirelles
Não cabe aqui fazer muitos comentários. Muito já foi dito sobre esse filme e aqui eu apenas choveria no molhado, como se diz. A respeito muito interessante o debate promovido pela Cinética entre seus colunistas, reunindo 9 opiniões distintas.
Mas alguns comentários pessoais acredito que são cabíveis.
Primeiro, vale dizer que achei muito interessante ver as ruas de São Paulo na tela. Tomadas por um cenário de guerra e destruição fictícios, como só em grandes produções americanas costumamos ver as grandes cidades do mundo. Gostei também da assinatura autoral que Fernando Meirelles impôs na tela. Mas o filme apenas me agradou levemente, sem grandes emoções. Passa de forma muito superficial em vários pontos que a princípio deveriam ser de grandes reflexões filosóficas. E não estou fazendo comparações com o livro, embora isso seja quase impossível. Quase impossível porque o grande mérito do longa é não deixar a história perder totalmente sua força. Em outras palavras, toda a força que o filme tem não vem de seu roteiro, nem da excelente interpretação de seus atores, nem da direção de Meirelles, bastante reverencial ao texto de Saramago. Vem, antes, justamente da obra do mestre português. É a história que tem força em si mesma. O que é pouco para um filme, diga-se. Mas saí me perguntando se alguém que não tenha lido o livro conseguiu, apenas com o filme, deter toda a filosofia e análise humana que Saramago propôs com a história. Talvez a ausência de tempos mortos (mesmo porque para tanto seria necessário fazer no mínimo uma trilogia a la "Senhor dos Anéis", com umas dez horas no total) e alguns cortes na trama não permitam.
PS: quanto ao livro, havia um bom tempo que uma obra não me tocava como a de Saramago. Simplesmente deslumbrante. Quem não leu, que leia!!!!
"LINHA DE PASSE", de Walter Salles e Daniela Thomaz
Quanto ao filme que valeu o prêmio de melhor atriz em Cannes para Sandra Coreveloni, direi ainda menos: apenas ASSISTA!!
Maravilhoso!
Depois de tantos filmes brasileiros falando da pobreza, da periferia, muitas vezes de forma sensacionalista ou simplista, Walter Salles toca no tema de forma sublime. Excelentes atuações (muito se disse a respeito de como todo o elenco mereceria ter ganho o prêmio de Cannes), fotografia magnífica, roteiro bem conduzido por uma direção brilhante. A violência apenas tangencia a vida dessa família, ainda que mergulhada na miséria e na dureza da vida na periferia.
A versão da internet da revista britânica "Times" divulgou ontem sua lista dos 100 melhores filmes do ano. "Linha de Passe" consta entre eles. Ainda que discutível a lista por conta de muita porcaria que também está lá, não deixa de ser uma boa referência. Por essas e outras aindo estou tentando entender apenas uma coisa: por que o indicado pelo Brasil ao Oscar 2009 foi o "Última Parada 174" e não "Linha de Passe"?? Lastimável...

2 comentários:

cinemadicto disse...

concordo com tudo! lastimável! pq será? rsss e aquele filminho no mis?

Unknown disse...

Realmente a força do filme vem do Saramago e do modo como conseguiu brilhantemente escrever esse tratado.
Me impressionou muito o fato de, por exemplo, o lugar para onde os cegos foram levados, ser igual ao que eu tinha imaginado quando li o livro. E, ao comentar isso com outras pessoas, percebi que não foi só comigo que isso aconteceu.
E isso, não é mérito do Fernado Meirelles, é mérito do José Saramago que conseguiu que todos lessem e imaginassem aquilo que ele escreveu da mesma forma.
Isso é impressionante e foi o que foi o que mais me tocou e emocionou!